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CFMV alerta Presidência sobre produto artesanal
CFMV alerta Presidência sobre produto artesanal

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) cumprindo seu papel de órgão de consulta da União em todos os assuntos relativos à profissão de médico-veterinário ou ligados, direta ou indiretamente, à produção ou à indústria animal enviou Nota Técnica à Casa Civil da Presidência da República alertando sob os riscos que produtos artesanais sem a devida inspeção higiênico sanitária podem trazer à saúde da população, com consequente aumento dos custos com saúde pública.

O tema veio à tona após ser aprovado no Senado, Projeto de Lei nº 16/2018, oriundo da Câmara Federal, que pretende flexibilizar as regras de produção e comercialização de produtos de origem animal, dispensando as exigências e rigores sanitários destes alimentos quando produzidos de forma artesanal.

Como se sabe o Governo Federal, batendo sucessivos recordes de reprovação, tem tido dificuldades com o poder legislativo, que por sua vez se aproveita da fragilidade daquele para impor pautas que em nada beneficiem a sociedade como um todo e visem tão somente atender determinados grupos de pressão e interesses eleitorais específicos.

Amparado em vários estudos técnicos conduzidos no Brasil e no mundo o CFMV expõe os riscos que um retrocesso na legislação poderia causar caso o Presidência venha a sancionar o projeto.

CONFIRA A NOTA TÉCNICA DO CFMV:

NOTA TÉCNICA que encaminha subsídios técnicos que darão espaço ao veto do PLC nº 16/2018, por inconstitucionalidade (arts.6º e 196 da CRFB/1988) e contrariedade ao interesse público, que pretende alterar a Lei nº 1283/1950 para dispensar as exigências e rigores sanitários dos produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal.

  1. Intenciona o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº16/2018 desburocratizar as regras legais para fiscalização de produtos de origem animal nos denominados produtos artesanais, sem qualquer preocupação com a questão higienicossanitária e tecnológica responsável pela produção de alimentos inócuos capazes de controlar a disseminação de epidemias provocadas pelo consumo de alimentos não seguros, conduzindo a um considerável desmonte ao Serviço de Inspeção Brasileiro, que engloba os serviços municipais e estaduais, e o Federal instituído no Brasil desde 1915, tendo se tornado reconhecido e admirado mundialmente.
  2. O PLC não conceitua produtos artesanais, a forma e escala de produção, e não existe definição jurídica e técnica do que sejam esses produtos, incorrendo em risco de migração de estabelecimentos já enquadrados em legislação de inspeção sanitária industrial.
  3. Reconhecemos a importância dos produtos artesanais na cadeia econômica nacional e na inclusão social, entretanto, cabe observar que esses produtos, elaborados dentro do que recomenda a legislação sanitária brasileira, podem ser enquadrados nos sistemas de inspeção já existentes. Portanto o PLC representa iminente possibilidade de legalização de produtos elaborados sem as mínimas condições higienicossanitárias, esses sim, bastante prejudiciais ao consumidor.
  4. Importante salientar que a impossibilidade de apreensão de produtos impróprios ao consumo, conforme é praticado atualmente pelos Sistemas de Inspeção vigentes, irá expor o consumidor a riscos, prejuízos econômicos e sociais, e superlotação do Sistema de Saúde Pública. Prevendo essa situação os órgãos técnicos qualificados do país para controle sanitário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), já se pronunciaram contrários a esse PLC, conforme notas técnicas em anexo. A simples fiscalização orientadora, prevista na Lei Complementar nº123 de 14 de dezembro de 2006, só é aplicável quando a atividade ou situação comportar grau de risco compatível com esse procedimento, o que não é previsto no PLC.
  5. Essa omissão possibilitará a veiculação de doenças ao consumidor, e mais grave, o recrudescimento de doenças reemergentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) aproximadamente 250 doenças e intoxicações podem ser transmitidas por esses alimentos, tais como tuberculose, paratuberculose, toxoplasmose, varíola bovina, teníase-cisticercose, hepatite, brucelose, salmonelose, colibacilose, listeriose, campilobacteriose, micobacteriose, iersiniose, botulismo, difteria, febre Q e gastroenterites.
  6. Um claro exemplo da necessidade do processamento adequado de produtos de origem animal encontra-se em um trabalho recentemente publicado (Sostar et al., 2017) que mostra uma chance 840 vezes maior de ocorrência de doenças e 45 de hospitalizações devido a ingestão de leite e derivados crus.
  7. Entre as doenças reemergentes, destaca-se a tuberculose, zoonose que pode ser veiculada por produtos de origem animal contaminados e não processados adequadamente. Trabalhos científicos têm demonstrado evidências claras do risco de transmissão da tuberculose por meio de produtos artesanais feitos a partir de leite cru, caracterizando importante fator no ressurgimento desta doença em diversos países com claros riscos de mortalidade (Harris et al., 2007; Flood et al., 2015).
  8. No Brasil trabalhos evidenciam este risco em produtos artesanais. Em pesquisa realizada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz e MAPA, queijos artesanais foram avaliados quanto ao risco de veiculação do agente causal da tuberculose (Cezar et al., 2016). De 107 amostras de queijos artesanais analisadas, 3 (2,8%) foram positivas para a presença de Mycobacterium bovis, o que caracteriza grave risco para a saúde do consumidor devido à alta severidade do agente patogênico. Os autores alertam que este microrganismo é o agente causador da tuberculose bovina e, por ser uma zoonose, pode causar tuberculose humana. O consumo de leite e seus derivados sem processamento térmico adequado é a principal rota de infecção da tuberculose zoonótica ao homem. Além da forma pulmonar da tuberculose, há de se destacar também outras formas, inclusive a ganglionar e a óssea.
  9. Segundo Yamanaka et al. (2016), em estudo sobre a qualidade microbiológica de queijos e salames artesanais produzidos no Brasil e coletados nas regiões metropolitanas de 10 capitais, 63% das amostras de queijos e 23% das amostras de salames foram consideradas legalmente impróprias para o consumo humano devido a contaminação microbiana.
  10. Discorda-se da justificativa apresentada pelo relator quanto ao Projeto fomentar a produção artesanal, uma vez que a Organização Mundial da Saúde declara que os alimentos inseguros representam um risco econômico, principalmente em um mundo globalizado. O interesse simplesmente econômico colocado pelo relator não pode se sobrepor à saúde da população. 
  11. A comparação com produtos europeus importados, levantada na justificação do PLC, não é possível, na medida em que o controle sanitário dos rebanhos europeus, por serem livres de tuberculose e brucelose, é mais eficiente do que o controle do rebanho brasileiro. O padrão microbiológico do leite cru europeu é bem superior ao nacional, o que possibilita, nesses países, a produção de queijos com leite cru com riscos menores à saúde pública.
  12. Considerando a responsabilidade que o CFMV tem com a população e por ser essa Autarquia pública um órgão de consultoria da União, Estados e Municípios, conforme Lei 5.517/68 em seu art. 9º, O CFMV se sente na obrigação de alertar Vossa Excelência, bem como o Ministério Público Federal, sobre o grande equívoco em que esse Projeto de Lei se constitui e as consequências que a possível sanção presidencial podem gerar para a saúde pública brasileira.

Brasília, 06 de junho de 2018.

Méd. Vet. José Maria dos Santos Filho

Comissão Nacional de Tecnologia e Higiene Alimentar - CONTHA/CFMV

 

SAÚDE E INSPEÇÃO ANIMAL

Fonte: Assessoria de Comunicação do CFMV

 

 

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