A salmonela é uma bactéria gram-negativa que está presente em muitas fontes de alimentos e faz parte da flora de certas espécies animais, como as aves. E mesmo sendo encontrada nos animais, como parte da flora natural, ela não representa de fato um perigo para esses seres. Para os seres humanos ela é um verdadeiro risco de saúde, dado que apenas uma célula dessa bactéria pode causar uma infecção. Os sintomas mais comuns de infecção por salmonela incluem náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, febre e dor de cabeça.
As fontes alimentares mais comuns de salmonela geralmente são alimentos crus derivados de animais, bem como ovos, produtos à base de ovos, carne, produtos cárneos, leite não pasteurizado e outros produtos de laticínio não pasteurizados. O cozimento e o processamento de todos esses alimentos devem eliminar eficazmente a bactéria. Algumas fontes incomuns de salmonela são frutas e vegetais contaminados, especiarias e frutas secas (nozes, amendoim/óleo de amendoim), entre outras.
Devido ao grande impacto que a salmonela pode causar na saúde pública, a redução e controle desse micro-organismo infeccioso são de altíssima prioridade para a indústria avícola. Este artigo é um resumo das informações que podem ser encontradas em diversos documentos referentes ao tema.
TÉCNICAS NA UNIDADE DE ABATE E PROCESSAMENTO
Em cada etapa do processamento primário das aves para consumo humano há ocasiões para que seja feito o controle da salmonela. Existem estágios no processamento de aves que estão mais propensos a contaminação do que outros, como o escaldo, depenagem e evisceração. Por causa disso, a melhor forma de conter a salmonela no processamento avícola é o estabelecimento de um programa de intervenções múltiplas que envolve a aplicação de vários tipos de desinfetantes em muitas fases do processo, assim como o monitoramento e controle de outras variáveis como temperatura e pH e o controle, também, dos padrões de circulação dos funcionários e visitantes para prevenir a contaminação cruzada entre setores distintos da unidade processadora. Cabe mencionar que os Procedimentos Operacionais Padrão, assim como as Boas Práticas de Fabricação, devem ser ensinados a todo o pessoal e continuamente monitorados.
1) Recebimento do frango vivo e pendurado – as jaulas de transporte das aves devem ser lavadas, sanitizadas e totalmente secas. Deve-se manter um fluxo de ar positivo de dentro para fora da unidade processadora. Os lotes de aves devem ser escalonados para o abate com base na carga bacteriana que possuem (aqui deve-se compor uma ótima equipe com o setor de gerenciamento de granjas de engorda). Ao final de cada turno de trabalho, as plataformas de desembarque e as áreas de descanso das aves devem ser limpas e sanitizadas;
2) Atordoamento e sangria – deve-se assegurar que o procedimento de atordoamento (elétrico) esteja bem controlado de forma a que as aves não se debatam demais nesta etapa. O debatimento das aves espalha a sujeira presa nas penas. Deve haver uma coordenação com o gerenciamento de manejo de granjas de engorda para a retirada de ração das aves, já que durante seu atordoamento pode haver liberação de material fecal. Segundo o especialista em processamento avícola, engenheiro Eduardo Cervantes, o período recomendável de jejum das aves vai de 8 a 12 horas desde o momento de retirada da alimentação até o momento do abate. Cervantes explica que, sob circunstâncias normais, o caminho que o alimento faz através do sistema digestivo das aves leva 8 horas e que a maioria (80-85%) do conteúdo intestinal é evacuado durante as 6 primeiras horas antes do processamento;
3) Escalda – nesta etapa, é de suma importância que seja focada a manutenção da água no tanque de escalda o mais limpa possível. Para atingir esse objetivo é recomendado o uso de tanques de escalda com contracorrente, no qual a água se move na direção das aves. Assim, a água mais suja ficará na entrada do tanque e a mais limpa, na saída. Também deve-se gerenciar, nos tanques, um alto fluxo de água com a agitação adequada para diluir a presença de material fecal e bactérias. Um sistema de tanques múltiplos é muito mais eficaz no controle de contaminação. Monitorar e manter a temperatura e o pH da água dos tanques também são de suma importância. O ácido úrico do material fecal faz aves pode diminuir o pH de 8,4 a 6 em um curto espaço de tempo (2 horas), e sob esse pH mais baixo a salmonela é resistente ao calor. Portanto, manter um pH mais alcalino (cerca de 9) é melhor para reduzir os índices dessa bactéria, bem como manter um pH mais ácido (entre 3 e 4). A temperatura recomendada da água da escalda deve ser pelo menos de 47°C, mas deve-se ter cuidado em não aumentar tanto a temperatura, já que se isso acontecer, as aves acabam ficando com uma superfície externa gordurosa, com a qual a salmonela pode se aderir facilmente. Outras medidas adicionais nesta etapa são a instalação de um sistema de escovas antes de ocorrer a escalda para limpar a plumagem das aves e um enxágue com antimicrobianos depois da escalda;
4) Depenagem – existem muitas pesquisas que indicam que os níveis de salmonela (e outras bactérias patogênicas) aumentam durante a depenagem das aves. É preciso manter os depenadores bem limpos e sanitizados e suas peças estarem bem conservadas para diminuir a contaminação cruzada. Deve-se evitar o acúmulo de penas no equipamento durante o processo, além do que essas máquinas devem passar por enxágues contínuos. A essa água de enxágue pode-se acrescentar algum antimicrobiano, como cloro, peróxido de hidrogênio ou ácido acético para ajudar a reduzir ainda mais os níveis bacterianos. Também é uma ajuda extra um enxágue pós-depenagem das carcaças, também com um antimicrobiano;
5) Evisceração – o principal problema da contaminação que se pode expor neste caso é a ruptura dos intestinos das aves ao realizar-se a contração do ventre para a evisceração. Dependendo do tipo de sistema de evisceração da unidade processadora (manual, semiautomático, automático), a boa manutenção do equipamento e a habilidade dos funcionários farão com que esta etapa não se torne um risco maior. Outro detalhe importante, para qualquer um dos sistemas, é que as carcaças das aves devem estar corretamente penduradas nos ganchos do trilho linear para que ocorra a evisceração, de forma manual ou automática, da forma mais exitosa possível. O tempo de jejum das aves também tem um impacto nesta etapa. Se os intestinos estiverem cheios e chegarem a se romper, a contaminação é inevitável. Além de remover corretamente as vísceras da carcaça, o foco da evisceração deve estar na eliminação de, pelo menos, grande parte da contaminação para enviar as carcaças à câmara fria o mais limpas possível. O enxágue das carcaças no final da evisceração é uma prática cada vez mais comum e é extremamente eficaz sempre e quando é feito corretamente. Nesses enxágues, que devem ser feitos dentro e fora da carcaça, é necessário utilizar algum tipo de antibacteriano para que haja mais eficácia. O mais comum é o cloro, que deve ser aplicado, minimamente, a 23 ppm de cloro livre para reduzir a carga bacteriana de salmonela. Outros sanitizantes que mostraram ser altamente eficazes nos armários de enxágue nesta etapa são: cloreto de cetilpiridínio (CCP, a uma concentração de 5%), trifosfato de sódio (10%), ácido lático (2%) e tiossulfato de sódio (5%). O tempo de contato que a água e o sanitizante tiver sobre as carcaças determinará o sucesso dessa intervenção; por isso, se a sua unidade processadora tiver uma linha de trilhos com ganchos de alta velocidade, é ideal posicionar vários lavadores de carcaças, e não apenas um. Em relação aos tipos de armários para enxágue, observou-se que os de jato, que enxáguam as carcaças com uma quantidade maior de água, são os mais funcionais e eficazes que os tradicionais, que simplesmente aspergem. No processo de evisceração deve haver, também, estações de reprocessamento para retirar da linha todos as carcaças com contaminação fecal visível. É muito importante que toda carcaça esteja totalmente livre de material fecal antes de entrar no sistema de resfriamento. Também é importante estar a par do pH residual das carcaças ao final da evisceração, já que esse fator pode afetar a eficácia dos antibacterianos utilizados nos tanques de resfriamento;
6) Resfriamento – a abordagem do tanque de resfriamento é conseguir que as carcaças atinjam uma temperatura interna (no centro do peito de frango) de 4°C ou menos no final do processo. Um outro enfoque é reduzir o mínimo possível a presença de bactérias patogênicas nas carcaças. Para isso, utilizam-se variados antimicrobianos no tanque de resfriamento, e o mais comumente usado, aqui, novamente, é o cloro. Não obstante, para que se consiga obter o máximo do uso do cloro, o pH da água, que deve estar entre 6 e 6,5, tem que ser monitorado contínua e cuidadosamente. O efeito do cloro no tanque de resfriamento sobre a redução de salmonela está diretamente relacionado com a concentração de cloro livre. A regra geral é que quanto maior for a concentração, menos tempo de contato será necessário para eliminar as células de salmonela. Assim, uma concentração disponível de 10 ppm de cloro demorará 120 minutos para eliminar salmonela; uma de 30 ppm demorará 6 minutos; e uma de 50 ppm levará 3 minutos. Devido ao fato de que o cloro se inativa rapidamente com a presença de matéria orgânica, que está obviamente presente no tanque de resfriamento, é importantíssimo que se faça o manuseio dos produtos químicos na água do tanque para manter um pH balanceado e para que se possa ter um nível estipulado de cloro livre (principalmente na forma de ácido hipocloroso). Reduzir a matéria orgânica no tanque é, também, de suma importância para uma eficácia maior do antimicrobiano. A maior concentração de matéria orgânica localiza-se na saída do tanque, e se essa área não for controlada, pode haver um risco muito grande de contaminação cruzada. Para isso, é recomendável contar com um tanque de contracorrente e alto fluxo de água. Para mais informações sobre antimicrobianos aprovados para o processamento avícola, leia: “Aplicando intervenções antimicrobianas aprovadas para o processamento avícola” (Tradução livre do título original em espanhol), disponível em http://www.carnetec.com/Industry/TechnicalArticles/Details/14525#sthash.Et6IXDOz.dpuf;
7) Limpeza, sanitização e higiene – a limpeza, seguida à sanitização, são práticas comuns e simples, mas essenciais para o controle de patógenos no processamento avícola. Como outras bactérias, a salmonela tem a capacidade de se aderir à superfície dos equipamentos e de se reproduzir nos resíduos. Deve-se evitar, a qualquer custo, a formação de biopelículas. Para uma limpeza eficaz, os detergentes devem estar em contato com a superfície por, no mínimo, 5 minutos, e, dependendo do produto, até 20 minutos. Uma vez totalmente limpo e enxaguado, o equipamento pode ser sanitizados com diferentes produtos químicos, dependendo da aplicação. Para conhecer mais sobre limpeza e sanitização, leia: “Utilizando o sanitizante correto para a aplicação adequada” (Tradução livre do título original em espanhol), disponível em http://www.carnetec.com/Industry/TechnicalArticles/Details/10582. Se a limpeza e desinfecção não forem bem-sucedidas, a eficácia dos métodos de intervenção pode ser reduzida. Deve-se exigir dos empregados que respeitem e apliquem as medidas padronizadas de higiene, uma vez que se não forem postas em prática, ou parcialmente executadas, será difícil obter êxito na produção de alimentos inócuos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pôde observar, são muitas as oportunidades que se tem, no processamento avícola, para reduzir a presença de salmonela. Combinando as diversas tecnologias disponíveis à indústria, assim como os diferentes tipos de agentes antimicrobianos, e o monitoramento e controle de variáveis como pH e temperatura, fará com que o processador avícola possa ter êxito, mais seguramente, na redução e controle do nível de salmonela em seus produtos. Não obstante, a eficácia das tecnologias e antimicrobianos disponíveis não alcançará seu potencial máximo se no processamento não forem estabelecidos e praticados os Procedimentos Operacionais Padrão e as Boas Práticas de Fabricação.
Por Ana Elia Rocha McGuire, em 24/09/2014
Publicado originalmente em http://www.carnetec.com.br/Industry/TechnicalArticles/Details/46588