A prática muito utilizada por políticos para tentar se justificar quando pego em ilicitudes parece ter atingido profissões nobres como a medicina veterinária.
Em uma atividade recente de fiscalização exercida pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo – CRMV-SP foi flagrada uma clínica sem registro na entidade e, portanto na ilegalidade, efetuando atendimento na cidade de São Carlos-SP. A prática além de ilegal pode colocar os clientes (proprietários) e pacientes (animais) em risco por, agindo à margem da fiscalização, poder praticar atos não aceitos ou recomendados pelo perfeito exercício profissional.
O caso ganhou repercussão após o proprietário da clínica, o veterinário Ricardo Fehr Camargo divulgar um vídeo na internet divulgando o exato momento em que a fiscalização federal exercida pelo CRMV-SP, autuava o estabelecimento pela prática irregular.
O que chamou atenção foi que, possivelmente para ganhar mais clientes, o proprietário atendia aos sábados de forma gratuita animais de pessoas que ele, após triagem pessoal, entendia serem carentes.
Tal prática também é vedada pelo código de ética da medicina veterinária, fixada por Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária – CFMV (Resolução CFMV nº 722/2002), o qual todos os médicos veterinários estão sujeitos e juram respeitar no ato de sua diplomação (colação de grau).
Este código de ética determina que todo médico veterinário deva “defender a dignidade profissional, quer seja por remuneração condigna, por respeito à legislação vigente ou por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético profissional da Medicina Veterinária em relação ao seu aprimoramento científico.”
Na consecução deste respeito à profissão e também à sociedade são vedados aos médicos veterinários a prestação de serviços gratuitos ou por preços abaixo dos usualmente praticados, exceto em caso de pesquisa, ensino ou de utilidade pública, devendo estes casos serem comunicados ao Conselho Regional no estado.
Também não pode o médico veterinário permitir que seus serviços sejam divulgados como gratuitos e, parece, segundo o vídeo que foi divulgado em rede social pelo veterinário autuado, que esta prática foi que gerou a denúncia objeto da fiscalização.
Agora o caso será analisado pelo CRMV-SP que além de exigir o registro do estabelecimento que funcionava de forma irregular deverá abrir um processo ético profissional contra o médico veterinário para poder analisar os fatos.
Para justificar a prática dos atos irregulares o veterinário alegou que sua atividade era de utilidade pública, em uma alusão a celebre frase da política nacional: “eu não sabia”.
A medicina veterinária atua na saúde única, que envolve os animais, o meio ambiente e o homem, tendo em vista a interação entre estes agentes. As ações ou atividades praticadas por médicos veterinários, sejam eles públicos ou privados, afetam diretamente a saúde neste contexto mais amplo. Exercer medicina veterinária em clínica particular, ainda mais sem registro, não é considerado utilidade pública, muito pelo contrário é um desserviço público.
As entidades de utilidade pública são reguladas por Lei e para se enquadrar nesta categoria são necessários certos critérios. Mesmo porque são passíveis de receberem recursos públicos, não sendo poucos os casos em que pairam suspeitas ou já se comprovaram ilegalidades nestas concessões.
Agora que o caso ganhou repercussão, políticos a nível municipal e estadual tentam ganhar carona no episódio. Mas, o que é de se estranhar, não para defender a sociedade e sim para defender a clínica irregular.
Cabe a estes próprios vereadores ou deputados estaduais o enquadramento das entidades de utilidade pública para que a clínica (após regularizada) possa atuar nesta categoria, como foi alegado no ato da autuação.
Quando a sociedade, por intermédio dos órgãos de fiscalização, age para evitar o pior parece que sempre aparece um “político” para defender a falta de fiscalização e cumprimento das normas e Leis que, aliás, são os próprios a criar. Nunca é pouco recordarmos que essa complacência na fiscalização amada pelos políticos tenha gerado tragédias como a da Boate Kiss (a três anos) e o da Barragem do Fundão em Mariana.
CFMV
O Conselho Federal de Medicina Veterinária editou nota em que manifesta apoio à ação de fiscalização do CRMV-SP, que visa resguardar e proteger a sociedade e o atendimento seguro dos animais.
Esclarece que a utilidade pública é um título atribuído pelo poder público às sociedades civis, associações e fundações que o solicitaram, quando cumprem os requisitos do Decreto nº 50.517 de 2 de maio de 1961.
SAÚDE E INSPEÇÃO ANIMAL